Capitulo dois

02

Medo

Ciclo um

Era uma manhã fria e cinzenta.

As pessoas caminhavam para seus trabalhos com a cabeça baixa com poucas esperanças de uma vida melhor, as ruas estavam molhadas e cheias de destroços. Em algumas casas usavam panos e pedaços de madeira no lugar das paredes. O vento assoviava uma triste e melancólica melodia.

De uma casa simples e rústica que muitos acreditariam estar abandonada saiu uma garota de cabelos despenteados e com um lenço na cabeça com uma expressão de extrema preocupação.

Por alguns instantes podia se ver as manchas de sangue na toalha enrolada em seu pulso. Após fechar a porta escondeu o braço direito dentro das vestes.

Próximo a sua casa cortou caminho pelo cerco do exercito. Uma bomba caíra sem explodir e todo um quarteirão fora isolado, mesmo assim era o caminho mais rápido para chegar na escola.

Para seu susto bem visível havia um cadáver de um homem. Alixandra nunca vira um cadáver em toda sua vida. Era bem magro e podia ver visivelmente as linhas do esqueleto em seu rosto. Por alguns instantes parecia que ele estava dormindo e a qualquer momento ia acordar.

O susto de encontrar o cadáver fez com que todos as preocupações saíssem de sua mente. Ela não comia direito há muito tempo e estava sangrando abundantemente; a idéia da morte lhe aterrorizou.

Havia uma tenda medica próximo há escola para auxiliar as pessoas. Uma enfermeira jovem e sorridente estava atendendo um grupo de velhos com sorte ele estaria ocupada demais para fazer perguntas.

Alixandra nem percebeu o tempo passando quando a enfermeira a abordou, ela estava tonta e o som de tudo parecia abafado. Já não sentia frio, todo o seu corpo estava quente.

- O que aconteceu? - Perguntou a enfermeira limpando o sangue do seu rosto. Já esquecera que tinha caído de cara no chão e machucado o nariz.

- Eu cai! - Respondeu tirando o braço enrolado na toalha gotejando sangue.

A enfermeira delicadamente retirou a toalha e viu o corte que praticamente jorrava sangue.

- Você caiu? - Perguntou olhando para a menina como se não acreditasse muito naquilo.

- É! Eu cai! - Enfatizou a menina.

A enfermeira usou uma seringa e a dor parou momentaneamente, ela costurou o corte que ainda sangrava e depois o limpou.

Alixandra implorava mentalmente para que ela não se aproximasse de sua mão, nem que pedisse para ela abrir. A enfermeira usou muitas bandagens e fez uma tipóia para ela pendurar o braço.

- Eu quero que você descanse e coma um pouco.

- Eu tenho que ir para a escola.

- O doutor vira em alguns minutos, eu levo você até lá.

Alixandra ficou preocupada por alguns instantes, mas talvez estivesse exagerando. A tipóia seria uma bela desculpa para não usar aquela mão.

O suco de laranja era muito forte, ela pensou como o correto seria diluí-lo em água e comentou para a enfermeira, que discordou. - Se quiser mais pode tomar o quanto agüentar.

O sanduíche de atum estava muito gostoso e a enfermeira deixou que ela levasse alguns para casa.

Alixandra não via a hora de entregar os sanduíches para sua mãe.

Ciclo dois

Alixandra acordou deitada em uma cama muito confortável e com muitos cobertores em cima do seu corpo. Ela se preocupou que havia dormido demais e perdido algumas aulas, mas a doce enfermeira disse que ia com ela explicar tudo na escola.

Chegando na escola a enfermeira foi conversar com a diretora enquanto ela foi para o refeitório.

Como todo o resto do país a escola estava em recessão e só havia macarrão e sopa de feijão para comer aquele dia. Ela estava morrendo de fome, nem ao menos olhou o que ia comer, uma incrível sensação de felicidade encheu o seu corpo.

Por alguns minutos pensou que nada podia mudar aquilo, até que Belle Trufeau surgiu.

Belle era pessoa que Alixandra menos suportava na face da terra.

Ambas se conheceram desde o primeiro dia de aula do primário.

Belle já se gabava por ser rica, bonita e bem tratada, sempre dizendo que sua família a tinha colocado em uma escola publica para ter uma criação mais humilde entre as pessoas comuns. Não funcionou. Na verdade a família Trufeau não era tão nobre e rica quanto Belle alardeava.

Todo mundo sabia que em um colégio nobre ela seria só mais uma na multidão e não teria nada do que se pavonear. Quando Belle era visitada por sua prima Régine que possuía muito mais dinheiro isso ficava muito claro.

Régine estudava em um colégio de elite e dizia humildemente que algumas famílias podiam pegar a fortuna da sua família e dar pra caridade que ainda descontariam do pagamento do imposto de renda.

Belle detestava a sua prima, nunca podia se gabar de nada, pois ela sempre tinha em dobro e não dava a mínima importância. Muito pelo contrario. Régine adorava as pessoas comuns e gostava de fazer “turismo” entre os pobres como Belle dizia.

Para piorar a situação ela e Alixandra ficaram amigas, Régine adorava a sua mãe e varias vezes veio visitá-las. Ela adorava o ambiente de amor e liberdade que existia entre as duas e confessava que invejava um pouco. Aquilo fazia com que todos os problemas do mundo fossem embora.

Principalmente revelou que Belle acima de tudo a invejava. Seu pai estava sempre ausente ou viajando, uma vez quando voltou de uma longa viajem sua filha não o reconhecera e sua mãe estava mais interessada em eventos sociais do que em sua própria filha. Em toda sua vida Belle nunca recebera um beijo ou um abraço dos pais.

Alixandra ficou com muita pena dela quando escutou aquilo a primeira vez e tentou demonstrar sua simpatia com a colega o que só piorou as coisas. Quando Belle descobriu que era alvo de pena, desenvolveu o mais profundo ódio por Alixandra e se declarou sua inimiga mortal. Para Belle pena é o que sentimos para humilhar e menosprezar as pessoas colocando no mais baixo patamar possível, abaixo até mesmo de baratas, o sentimento mais mesquinho que cruel que se podia sentir por outra pessoa.

A idéia de que aquela menina mal educada e desqualificada tinha qualquer sentimento de piedade por ela era um insulto que nunca poderia ser perdoado.

Durante anos o relacionamento das duas era assim, os últimos anos em que a situação foi piorando era praticamente uma benção que as duas nunca mais se encontraram na mesma classe. mas nos intervalos quando se encontravam não era raro que Belle a provocasse, seu assunto preferido eram as insinuações de que ela era uma bruxa. A principio Alixandra considerou aquilo de certa forma lisonjeiro. As bruxas eram poderosas e tinham poderes mágicos, podiam transformar aquela chata em um sapo, explodi-la em um milhão de pedaços com uma bola de fogo. Uma bola de fogo que ela tinha em sua mão direita.

Alixandra pensou em Régine para esquecer da mão amaldiçoada, ela havia partido para o outro lado do país quando a guerra chegou. Não se viam há anos. Nunca ficou sabendo como ficou doente e nunca mais se encontrariam de novo.

Ciclo três

Vladimir era o garoto mais maravilhoso de toda a escola aos olhos de Alixandra, sempre fora de certa forma o rival de Belle. Filho de uma família rica geralmente confrontava seu comportamento quando a encontrava incomodando os outros.

Alixandra nutria uma paixonite por ela há muitos anos, era rico, bonito e dois anos mais velho. Seu primeiro amor e por ela seria o único. Infelizmente ele nem ao menos sabia que ela existia. Todos na escola diziam que ele e Belle faziam um belo casal e boatos sobre um namoro entre os dos dois vira e mexe pipocavam nos corredores da escola. Aquilo despertou o ódio no coração de Alixandra. Até então ainda tinha uma certa simpatia por Belle. A idéia de uma mãe fria e um pai vivo ausente devia ser horrível, mas não importava o sofrimento que ela pudesse ter não deveria ser maior do que o dela. Ficar com a pessoa que ela amava, mesmo que secretamente era insuportável.

Belle quis reclamar da forma como ela comia, quando foi interrompida por Vladimir que defendeu Alixandra. O que não era muito raro. O que foi inusitado foi ele se sentar ao lado dela e oferecer um lanche.

Vladimir havia trazido uma luxuosa caixa com um delicioso almoço acompanhado de suco de uva. Desde que a recessão começara se tornou comum que os alunos mais abastados trouxessem comida de casa muito melhor que a servida na escola. Ele tinha um sorriso simpático e um cheiro muito gostoso.

- Você está bem? – Perguntou.

Alixandra balançou a cabeça concordando. Estava com a boca cheia de comida.

- O que aconteceu com seu braço?

- Eu cai! – Respondeu nervosa

Vladimir percebeu que ela não queria tocar nesse assunto.

- Eu vi você outro dia no mercado.

- Mesmo? – Perguntou com os olhos arregalados. – O que estava fazendo lá?

- Fui me encontrar com uma amiga, talvez você conheça.

- Eu acho que não. Não falo com as garotas do mercado.

- Entendo! As garotas que vão ao mercado não querem que ninguém saiba que elas vão lá.

- É que muitas garotas que vão ao mercado vão... Vão... Você sabe.

- Sim! Eu sei! – Fez-se silencio por um instante. – Você sabe que eu vou fazer uma festa lá em casa, não é mesmo?

- Festa? Segunda-feira.

- Meus pais estão fora da cidade e eu não gosto de ficar sozinho. Alem disso, nesses tempos difíceis precisamos nos divertir, existem pelo menos cinco festas todas as noites.

- Eu não vou poder ir. – Respondeu sinceramente.

- Não precisa se preocupar. – Ele olhou pra ver se estavam sendo vigiados. – Belle não vai estar lá.

- Por que não?

- Porque eu não gosto de garotas como Belle, eu gosto de garotas como você.

Alixandra pensou angustiada por alguns instantes. Aquilo era o que ela sempre quisera ouvir, mesmo assim tinha muitos problemas para poder ir.

Vladimir chamou a atenção de Caroline e Anne Marie, as duas melhores amigas de Alixandra que estavam observando em um canto e também as convidou para a festa. Quando ele foi embora, as duas estavam ansiosissimas para ir a festa, e felicíssimas em saber que Belle não apareceria.

A boa noticia fez com que não se interessassem muito em saber exatamente o que aconteceu com seu braço e se satisfizeram com a historia que ela caiu.

O almoço fora muito agradável, com a barriga cheia Alixandra se sentia muito bem. Aparentemente as coisas estavam melhorando.

Ciclo quatro

Na entrada da sala de aula Alixandra fora informada que a diretora queria vê-la. Um monte de bobagens passou por sua cabeça, Chegando lá a Sra. Araújo foi muito amável e gentil. Amável e gentil até se tornar inconveniente. Quis saber como ela estava, sua mãe e se alguém batia nela, por algum motivo a diretora insistia na idéia absurda que ela era maltratada e apanhava de alguém. Alixandra contou sobre seus problemas financeiros, a doença da mãe e o emprego de faxineira que havia perdido por causa da guerra. mas não da mão, ela não falou nada na mão.

Aos poucos as palavras confortadoras da atenciosa diretora começaram a ter outra conotação. A Sra. Araújo não estava simplesmente sendo simpática pela situação de petição em que ela se encontrava, deixou bem claro que muitas outras garotas estavam na mesma situação por causa da guerra. Na verdade ela acreditara que Alixandra tinha tentado o suicídio, deixou bem implícito que a enfermeira havia lhe dito isso.

Alixandra se sentiu traída pela enfermeira, queria levantar e gritar o que realmente estava acontecendo, contar sobre sua mão amaldiçoada, que era uma bruxa, como estava sempre tentando se esconder o tempo todo, como se queimara dezenas de vezes acidentalmente, como preferia perder a mão pra sempre a continuar mais algum segundo naquele tormento.Mas continuou em silencio escutando o sermão. A diretora ofereceu ajuda e dispôs a visitar a sua casa, mas ela não pode aceitar. Alguém poderia ver as manchas de queimado em forma de mão espalhadas pela casa, ela teria que explicar como os pertences das famílias que fugiram com medo de outro bombardeio foram parar em sua casa, ela teria... A mão estava quente de novo. Em breve tudo começaria novamente.

Alixandra saiu em silencio do gabinete da diretora.

No caminho para sala de aula Alixandra encontrou com Belle Trufeau que não perdeu a chance de provocá-la. O colégio Petit Petre era um lugar muito pequeno e a noticia de que Vladimir havia convidado Alixandra pessoalmente, para sua festa e ela Belle Trufeau não estava convidada, logo chegou a seus ouvidos.

A rusga das duas garotas era mutua e começara desde cedo.

No primeiro dia em que se conheceram, Belle gostou de Alixandra e até pensou que poderiam ser amigas. Alixandra contava historias de como seu pai havia sido um bruxo e um monte de maravilhas que sua mãe contara sobre mágica. Naquele mesmo dia Belle voltara pra casa empolgada por conhecer alguém tão interessante e louca pra contar tudo o que aprendera sobre magia.

Para sua surpresa sua mãe não gostou nada disso e ficou muito zangada com ela. Desde então a mãe de Belle lhe ensinou como Magia era uma coisa ruim, todo o mal que as bruxas faziam e como aquela menina era uma mentirosa e que seu pai na verdade havia fugido antes de Alixandra nascer.

As mães das duas já se conheciam, ambas eram de famílias respeitáveis, mas a mãe de Belle se casou com um aristocrata enquanto Abryele a mãe de Alixandra ficou grávida de um desconhecido que desapareceu antes da filha nascer.

Ela ficou com muita raiva por ter sido enganada e sua mãe ter ficado tão brava com ela. Tão brava que sempre se zangava a ponto de colocá-la de castigo apenas por falar com Alixandra. Conforme Alixandra afirmava as mentiras sobre seu pai e fazia apologia às bruxas, a raiva que sentia aumentava, principalmente porque ela tinha receio que Alixandra realmente fosse uma bruxa e pudesse fazer alguma coisa com ela.

Belle sempre se esforçava pra se destacar na escola e agradar seus professores para deixar seu pai orgulhoso, selecionava seus amigos sempre de acordo com a escolha de sua mãe e exibia suas posses e agia como sua família mandava para ser uma garota exemplar. Mesmo assim Alixandra sempre estava fazendo pouco dela, a chamava de puxa saco e ria pelas costas dela.

Outra coisa que a incomodava era a pena que todos tinham dela por ser pobre e trabalhar. Belle trabalhava dez vezes mais do que ela e desde muito cedo, os rigores da etiqueta e as dezenas de tarefas extras que a família lhe impunha não eram nada fáceis, ela não tinha tempo de ter amigos e se divertir como também não podia. Existiam maneiras especificas de como uma dama poderia se divertir e poucas eram realmente divertidas.

Após o inicio da caça as bruxas e as historias das coisas terríveis que faziam com as bruxas, Alixandra parou de espalhar suas mentiras e finalmente Belle começou a se sentir um pouco vingada.

- Finalmente começou a mostrar as suas manguinhas não é mesmo bruxa?

- Não sei do que esta falando!

Belle encurralou Alixandra na parede que se apoiou com a mão direita para que ela não percebesse o calor anormal que vinha de suas mãos.

- Você andou enfeitiçando, as pessoas contra mim, andou jogando mal olhado em mim.

- Você é ridícula.

- Meu pai é rico! Lê mandou comprar esse amuleto cigano. - Belle colocou a mão dentro das vestes e puxou um cordão de couro com uma bolsinha bem amarrada na ponta. – Qualquer coisa que você faça vai se voltar contra você.

- Eu sempre soube que você era idiota. mas jogar dinheiro fora em uma bobagem como essa, mostra como você é tão burra quanto parece. – Alixandra teve vontade de agarrar aquele amuleto ridículo e transformá-lo em cinzas na frente dela. Só pra ver a cara dela.

- Você vai ver quando te pegarem. Os caçadores de bruxa, vão te levar pra Holloway, e quando chegar lá, vão te dar tantos choques na sua cabeça, que seu cérebro vai virar pudim. Então eles vão te estuprar de todas as maneiras possíveis, isso é... Se alguém realmente se interessaria pelo seu corpo murcho.

– Acha mesmo que essa bolsinha fedorenta vai impedir qualquer bruxaria por menor que seja? Seu pai provavelmente achou isso jogado na rua e te deu só pra você não encher o saco dele. Afinal... Todo mundo sabe que ele não gosta de você mesmo.

Belle segurou uma cara de choro e novamente guardou o cordão.

- Meu pai gosta muito de mim. Você e sua mãe vão ser pegas pelos caçadores de bruxas.

- Se alguém tentar me pegar eu vou fazer com que eles levem você no meu lugar. Daí é você que vai pra Holloway.

- Você vai ver saco de ossos. Você ainda vai ver. – Belle saiu correndo quase derrubando o material escolar que estava carregando, provavelmente para a sala dos professores para bajular alguém.

Alixandra colocou sua mão na tipóia novamente e percebeu que o curativo estava úmido de sangue. Ela olhou para a parede pra ver se havia uma mancha de sangue. Sim havia uma mancha de sangue e em volta da marca da mão dela uma terrível mancha de queimado quase do tamanho dela. Ela pensou em alguma forma de limpá-la, mas a queimadura era profunda, tão profunda que chegava até o outro lado da parede apesar dela não saber disso.

Ela correu para a sala de aula com um terrível pensamento: Eles iriam descobrir que era ela e a levariam para Holloway.

Ciclo cinco

As aulas foram um verdadeiro tormento, Alixandra não conseguiu escutar nenhuma palavra do que os professores diziam, apenas segurou o lápis com a mão esquerda enquanto tentava tirar os pensamentos pessimistas da sua cabeça. Todos os professores foram muito gentis com ela e ignoraram sua falta de atenção, provavelmente por ordem da Sra. Araújo. Finalmente chegou a ultima aula e poderia ir pra casa.

Em determinado momento o professor se levantou e terminou a aula mais cedo. Alixandra estranhou que o tempo passara tão rápido e guardou o seu material de volta na mochila.

O professor anunciou a Sra. Araújo e comentou que devido a um incidente estavam fazendo um exame e agora verificariam a turma 3y. Alixandra ficou alarmada, a primeira coisa que pensou foi na mancha de queimado que deixara no corredor. mas não era possível, era coisa da sua cabeça.

A diretora entrou com um rapaz alto e bonito, um verdadeiro príncipe nórdico com traços fortes cabelos loiros e olhos azuis, vestindo um vistoso uniforme. As garotas soltaram comentários graciosos e fizeram piadinhas.

- Este é o cadete Derek Dietrich. – Apresentou a diretora. - Ele veio com o esquadrão de Arcanos para conversar com vocês.

Aquela noticia foi como uma facada no peito de Alixandra. A Sra. Araújo acenou para ela com um sorriso amigável e a cada movimento de mão sentia que uma faca entrava em suas costas. Eram os caçadores de bruxa. Eles vieram por causa da queimadura na parede. Eles vieram pegá-la.

- Acredito que seja melhor que você fale com os alunos cadete.

Ele fez uma leve referencia e começou a falar.

- De acordo com a 48° lei arcana, todos os místicos, (pessoas com habilidade sobrenaturais, para-normais, mediúnicas, etc...) deveriam se registrar a ordem arcana para servir a rainha de Avalon, devido a atual guerra do leste ocidental. Devido a uma denuncia de um possível Mago não legalizado estamos fazendo um exame surpresa entre os estudantes de Galita para averiguar a possível existência de Magos não oficiais, ou seja, indivíduos com habilidades místicas sem instrução.

Ao ouvir aquilo Alixandra sentiu como se estivesse se afogando. O ar parecia pesado como água e começou a ter dificuldade para respirar. Denuncias. Alguém havia visto a marca na parede e a denunciara. Teria sido a Sra. Araújo? Sentia que o cadete a encarava com interesse.

Cristina uma amiga de Belle e também uma das alunas mais inconvenientes e provocadoras levantou a mão. Era.

- É verdade que os bruxos são levados pra um campo de concentração?

- Não! Essa afirmação não passa de um boato sem fundamento. Todos os magos registrados são levados a uma academia da ordem arcana para aprender a usar suas habilidades místicas.

- Eu ouvi dizer que em Holloway, sofrem uma lobotomia, para se tornarem escravos descerebrados nos campos de batalha? – Continuou Cristina.

- Eu não conheço a instituição Holloway, mas não é um campo de concentração; e não acredito que façam lobotomias por lá.

- mas você nunca foi pra lá. – interrogou Cristina.

- Sim.

- E é verdade que existem bruxos que sofreram lavagem cerebral?

- Sim! mas só os muito maus.

- Então você não tem nenhuma certeza que eles não fazem isso.

- Não!

- Foi o que eu imaginei que você ia dizer. – Cristina conseguiu soltar alguns risos.

- A instituição de Holloway é um centro de ensino avançado aonde místicos inexperientes recebem instrução para se tornarem magos oficiais. Não acredito que isso aconteça.

- Isso é o que você diz. Apesar de nunca ter ido até lá. – Cristina conseguiu soltar mais alguns risos.

Outro aluno levantou a mão.

- Meu pai me disse que essa coisa de mágica é balela e que o governo faz propaganda pra enganar a população e esconder a verdade.

- E os vídeos no noticiário que passam na televisão? – Perguntou Cristina.

- É tudo efeito especial. – Respondeu o garoto. – Meu pai sempre diz que a gente não pode acreditar em vídeos.

- Acredito que se seu pai não acredita em provas em vídeos também não acredita em fotos, áudio, documentos escritos e considera todas as evidencias históricas de nossa civilização questionável. – Arremedou o Cadete.

- Não é bem assim. – Protestou o aluno. – Meu pai acredita em provas escritas. Se for um documento escrito ele diz que é verdade.

- Então seu pai não acredita em uma cena em vídeo, mas acredita no que alguém escreveu em um pedaço de papel? - O cadete soltou algumas risadas e deixou o aluno sem respostas.

Alixandra não conseguia rir, estava apavorada e para piorar a situação o cadete não parava de olhar pra ela, dessa vez com desconfiança. Ele sabia que havia alguma coisa errada.

- Eu ouvi dizer, que os inimigos capturam os nossos soldados e fazem sacrifícios em nome dos seus deuses, depois colocam um demônio dentro dos cadáveres e eles viram vampiros que bebem sangue e comem carne crua. - Um aluno conseguiu soltar alguns comentários bem interessantes.

- Essa informação é procedente. – Confirmou o Cadete. – As criaturas conhecidas como Vetala ou Baital podem entrar dentro de um corpo humano e reanimá-lo. Muito Vetalas são usados em combate ou como excelentes espiões no corpo de nossos soldados, já que as memórias permanecem no cérebro do morto. Invariavelmente os Vetalas não agem exatamente como as pessoas originais e são obrigados a se alimentar de sangue e carne crua. Devido a extensas pesquisas se confirmou que os Vetalas não são capazes de sobreviver sem sangue. Muitos soldados mortos em batalha são usados para alimentar os soldados Vetalas do inimigo.

- Você já encontrou algum Vetala por acaso? – Perguntou Cristina.

- Sim! – Respondeu o Cadete. – Minha mãe foi transformada em um vampiro Vetala há alguns anos, para se infiltrar em nossas forças e foi descoberta enquanto se alimentava do meu sangue; e da minha irmã.

A resposta do cadete foi seria o suficiente para toda a classe levar a serio. Ninguém mais se sentiu confortável para fazer perguntas.

- Mais nenhuma pergunta?

A sala permaneceu em um silencio fúnebre.

O cadete pegou um pequeno objeto parecido com uma travessa de pudim tecnológica com uma redoma de vidro cheia de um líquido azul e o colocou em cima da mesa.

- Este é um medidor de mana, a energia que exala dos magos. Colocando sua mão direita na redoma o líquido azul ira absorver qualquer quantidade de mana residual no seu corpo e os sensores na tela irão indicar o nível. Os níveis de energia mística são definidos em uma escala baseada no Alfabeto grego que varia de Alfa, o mais baixo até o Omega.

Os olhos de Alixandra não conseguiam sair do aparelhinho que ele carregava, ela mal conseguia respirar, podia sentir o calor vindo de sua mão direita, suava incontrolavelmente. Não queria parecer nervosa, tremia incontrolavelmente.

O cadete parou diante de um aluno e ele colocou a mão no aparelho, nada. Ele passou para o próximo e nada. Eduardo tinha um sorriso jocoso quando colocou a mão na redoma e o líquido azul brilhou como se fosse uma lâmpada, um símbolo apareceu no visor “Alfa”.

A classe toda se assustou, o clima alegre e brincalhão acabou. Alixandra não conseguia respirar quando o cadete olhou para ela, ela podia sentir. Ele sabia que ela era a bruxa.

Ciclo seis

Maria Mercedes era exatamente o contrario de Derek Dietrich, era delicada e tímida, sua voz suave e insegura davam muito conforto para a turma da 2Y. Geralmente não era muito boa em falar com as pessoas, mas aquele dia em particular estava muito bom. Como sempre Belle conduzia toda a turma como se fosse uma simpática rainha. O clima estava descontraído e afável, ela explicou o uso do medidor de mana e todos ficaram ansiosos por usá-lo.

Ela anotava o nome de todos os alunos que tocavam na redoma, as garotas soltavam risinhos e alguns garotos faziam comentários no fundo da sala.

Rosa uma das grandes amigas de Belle colocou a mão na redoma e a luz azul acendeu, todos ficaram nervosos, com um sorriso nervoso e forçado ela perguntou o que aquilo significava.

- O nível Alfa aparece quando a pessoa tem a mínima manifestação possível de energia mística. - Maria delicadamente explicou alegremente. – A maioria das pessoas vai manifestar o nível Alfa por milhões de motivos. Apenas o fato de ficar perto de um Mago lhe daria o nível Alfa. Até mesmo se eu encostasse uma maçaneta na redoma apareceria o nível Alfa.

- Como eletricidade estática? – Perguntou Belle

- Exatamente! – Respondeu Maria com um sorriso contagiante. – Do mesmo jeito que pequenos objetos grudam em uma roupa que acabou de sair da secadora.

Novamente a sala ficou animada, todos agora queriam colocar a mão na redoma pra ver a luz se acendendo. Quando alguém colocava a mão e a luz acendia uma ovação saia de toda a sala como uma grande festa.

Finalmente chegou a vez de Belle. Todos os amigos de Belle conseguiram acender a luz, ela nunca ficaria para trás é claro que acenderia a luz e até muito mais. Belle colocou a mão na redoma e antes mesmo de tocá-la a luz se acendeu. Todos aplaudiram. Ela tocou a mão e o líquido azul começou a soltar bolhas como se estivesse em ebulição. O visor mudou para beta, é claro que ela faria muito melhor, mudou para gama, delta. Belle se sentiu cansada e tirou a mão.

Houve uma tremenda saudação de toda a classe, até mesmo Maria colocou a prancheta debaixo do braço pra aplaudir com o resto da classe. Belle se sentia melhor do que todo mundo.

Ciclo sete

Nome e numero. – Ordenou o cadete Dietrich.

Havia um silencio mortal na sala 3y; muitos alunos suavam; mesmo com o terrível frio que se fazia aquele dia. Eduardo olhava para a redoma como se ela fosse sugá-lo para dentro. A diretora disse o nome e o numero de Eduardo que parecia pronto pra vomitar.

A cada mão colocada, a tensão aumentava. Alixandra sentia o calor da sua mão aumentando, atravessando a roupa, queimando o seu peito. O cadete periodicamente olhava para ela com um olhar de interesse.

Novamente a luz se acendeu. Era Estefani a garota mais inteligente da classe. Ela levantou a mão e perguntou logo após falar seu nome e numero.

- A luz acendeu! – Afirmou o obvio. - O que isso significa?

- Nada! – Respondeu o cadete Dietrich.

Toda a classe levou um susto. Uma ovação de gloria veio da 2y. Ninguém sabia o que significava, mas, a tenção só aumentou. Alixandra sentiu a sua menstruação vindo, suas pernas ficaram moles. Estefani perdeu o interesse em fazer mais perguntas. A cada ovação da classe ao lado a tenção ia aumentando.

Cristina colocou a mão na redoma e o líquido ficou vermelho. Alixandra sentiu o tempo parar. O cadete Derek soltou um suspiro irritado. Outra ovação vinda da 2y aumentando a tenção.

- O que isso quer dizer? - Cristina parecia que ia chorar.

- Que você esta grávida! - Respondeu, e levou o detector de mana para a mesa da diretora, então começou a regulá-lo.

Cristina ficou vermelha como um pimentão e abaixou a cabeça com um sorrisinho. Outra ovação da 2y. Dessa vez toda a classe parecia mais aliviada. Menos por Alixandra. O cadete continuava olhando para ela. Tentava com todas as forças virar seu rosto, fingir que não tinha nada demais, mas não só conseguia desviar o olhar dele para a máquina. Nem percebeu a Sra. Araújo ao seu lado.

- Você esta bem? – Perguntou a diretora.

Alixandra fiou desnorteada por algum momento, desviando seu olhar para o cadete a máquina. A maior ovação possível, veio da 2y, alguns alunos sorriram outros ficaram apreensivos. A diretora ficou perturbada por alguns momentos e com seu tom cordial voltou a falar com Alixandra.

- Você não parece bem querida!

Por alguns instantes Alixandra não sabia o que pensar. - É que veio!

- Agora? – Perguntou compreensiva.

- Preciso ir pra casa. – Disse Alixandra.

A diretora pegou sua mochila e a entregou.

- Cadete! Alixandra precisa ir pra casa.

- Por que? – Perguntou desconfiado enquanto fazia o líquido da redoma voltar a ficar azul.

- Um pequeno problema feminino. Ela não esta passando muito bem.

O cadete olhou para ela de uma forma bem diferente. Não havia mais desconfiança no seu olhar.

- Tudo bem. – Disse o cadete. – Só ponha a mão direita na redoma e pode ir embora.

- Ela esta com a mão direita machucada. – Disse a diretora.

- Não é problema respondeu o cadete.

Um grito se ouviu vindo da 2y e em seguida uma serie de fortes estalos.

- A bruxa! – Gritou Cristina.

Começou um alvoroço por toda a 3y a tenção imediatamente acabou.

- Acalmam-se! – Gritou a diretora.

Dois homens passaram correndo pela porta da sala.

Ninguém mais estava nas carteiras os alunos alvoroçados falavam todos ao mesmo tempo. Um estrondo seguido de uma rachadura na parede. Todos ficaram em silencio assustados.

- Por favor! – Gritou o Cadete. – Todos em fila indiana, para o pátio.

- Eu vou evacuar as outras salas. - A diretora correu para fora da sala.

- Todos! Saiam rápido e em ordem. – Ordenou o cadete.

Uma fila se formou, todos saiam da classe em direção a saída. O cadete ficou em posição barrando o caminho para a sala 2y. Alixandra pegou a sua mala e apressadamente saiu de cabeça baixa. Quando passou pelo cadete ele agarrou seu braço.

- Espere!

Alixandra sentiu que seu coração ia parar. Ela olhou para dentro dos seus olhos azuis e se perdeu dentro da imensidão. Ela sentiu que ia cair e ele a segurou. Sentia-se um pequeno passarinho ferido nas mãos de um gigante.

- Eu vou com você.

Ele era alto e bonito como um artista de cinema. Nunca pensara que existia alguém assim no mundo real. Nunca encontrara uma figura tão imponente. O cadete praticamente a carregava até o pátio. Muitas pessoas olhavam para ela sendo escoltada pelo cadete. Os gritos aumentaram.

- Você esta bem? – Perguntou o cadete.

Alixandra respondeu com um aceno de cabeça.

Para surpresa de todos Belle surgiu gritando. Ela estava sendo segura por dois homens vestidos com roupas bem protegidas como homens bomba usando longos bastões com laços. Eles a seguravam com dificuldade enquanto ela gritava que seu pai era rico e que todos pagariam por aquela humilhação.

Belle que tanta classe demonstrava estrebuchava como um cavalo selvagem, seus cabelos estavam despenteados e sua roupa rasgada. Os homens a seguravam com muita dificuldade como se ela fosse muito mais forte do que os dois juntos. Ela soltou um grito e varias janelas quebraram, muitos alunos começaram a correr pra fora da escola. Uma cadete apareceu chorando com o rosto sangrando e segurando uma arma. Era Maria.

O cadete Dietrich olhou para aquilo e também sacou uma arma de suas roupas. Retirou uma espécie de medalhão com vários cristais cheios de líquido azul e enrolou no pulso. Belle gritava e tentava avançar, mas o medalhão aparentemente lhe causava dor. O cadete puxou o gatilho e um fio saltou da arma para o corpo de Belle que estrebuchou como se estivesse sendo eletrocutada. A cadete também atirou.

Alixandra ficou horrorizada, era muito pior do que imaginava. Belle foi alvejada por alguns minutos, dois homens com armas grandes como metralhadoras entraram pelo portão, tomaram posição e atiraram.

Alguns estudantes aplaudiram, outros pareciam nauseados. A bruxa foi pega alguns diziam. O cadete Dietrich entregou um lenço para a cadete que estava sangrando e chorando.

- Não precisam se preocupar que tudo esta sob controle. – Disse Dietrich. - Ela estava perturbada, mas vai ficar bem.

- Ficar bem? – Comentou uma voz por trás de Alixandra. – Esses caras estão brincando? Seria melhor se tivessem atirado pra matar.

- Eu já vi isso antes! – Comentou outra voz. – O cérebro dela virou pudim. Ela nunca mais vai acordar de novo.

- Pelo menos a bruxa que queimou a parede da escola foi pega.

Belle jazia caída no chão com os olhos vazios e espuma escorrendo pela boca. Os dois homens armados também estenderam varas com laços e os quatro a arrastaram pelo pátio para um camburão parado do lado de fora da escola. Alixandra correu horrorizada.

- Eles pensam que foi ela. – Pensou! – Eles a pegaram no meu lugar. Eu a enfeiticei pra ir no meu lugar. Era eu que devia estar lá e agora Belle nunca mais vai poder contar a verdade.

Nas proximidades de casa cruzou novamente com o cadáver jogado no chão. Ninguém havia retirado ele do lugar.

Ela não conseguia pensar em mais nada.

Continua...

2 comentários:

Anônimo disse...

Tá começando a ficar bom!!!Adorei esse negócio do livro não ser só na primeira pessoa.Bem Legal...

Anônimo disse...

a narrativa está boa por ainda ser um rascunho...mas ainda sinto falta de um traveção e um dialogo riscando os blocos de palavras. Acho q em Harry Potter tbm tem uma boa introdução descrevendo a situação em que tdo acontece...mas dá pra encontrar algumas exclamações mais exacerbadas de algumas personagens. Mas continua...a coisa tah ficando boa